Lorelai
Música: "Pieces Don't Fit Anymore", James Morrison

Há dias em que, muito simplesmente, um pouco de Sol, mesmo que escondido atrás de umas nuvens de aspecto duvidoso, unido a um bom livro (espécie 'No Dia Em Que Fugimos Tu Não Estavas Em Casa', do Fernando Alvim) e ainda agraciado com um iPod a transbordar de boa música (ou ouvir os passarinhos a cantar) chega para deixar uma pessoa feliz. Pelo menos, para me deixar a mim feliz. E há outros que não. E há dias em que, apesar disso tudo reunido, apesar de haver aquela sensação de plenitude e paz interior... isso tudo acaba por ser insuficiente e aquele espacinho dentro de nós, por muito ínfimo que seja, não se cala e não pára de refilar que precisa de ser satisfeito. Só não nos diz é como fazê-lo.

Não sei se faz parte da natureza humana em geral ou não, mas sei que faz parte de mim esta insatisfação constante. Alguns podem achar que sou simplesmente chata, outros que sou louca, outros que não tenho mesmo é nada melhor para fazer; e talvez tenham todos razão. Mas em certos dias não consigo calar aquela voz irritante que me diz que nada do que tenho vale coisa que seja. E aí dá-me aquela moleza da tristeza desmoralizada. Mas, às vezes, também me dá para pensar que se calhar podia mexer o meu traseiro para fazer alguma coisa para alcançar o que quer que seja que penso que me falta. Não sei bem o que é, não sei bem como é que o vou conseguir (logicamente, porque não podia ir atrás do que nem conheço). Mas sei que me apetece fazer um plano para sair do ciclo vicioso (e viciante) em que caí.

Sinto que estou a desperdiçar a minha vida - a tal que não tenho - com... bem, nada. Ando a deixar os dias escorrerem sem sequer parar para tentar que eles tenham alguma coisa de diferente, de especial. Algo que me faça sentir mais perto do que quer que seja que irá preencher aquele vaziozinho irritante que nunca se cala, nem mesmo à noite.



"Para Ti,


"Gosto de coisas tristes mas contentes. Não disse isto, desculpa, o que quero dizer é que gosto de coisas felizes mas tristes.

(...)

"A minha paixão por ti é estar numa fila imensa com meninos mais bonitos que eu, bem melhor tratatados, mas mesmo assim, fazendo tudo para que me escolhas a mim e me leves para fora. Porque é a ti que eu quero e a mais ninguém. E mesmo quieto, estou aos saltos cá dentro quando te vejo, mesmo mudo, estou a gritar para que me leves daqui, mesmo aqui, entre todos, faço força com os olhos para que fiquem maiores à tua passagem. E mesmo que não me leves desta vez, fico à espera de outra, e mais outra, até ao dia, em que não sobra mais ninguém, em que só estou eu ali, sozinho, sem mais meninos bonitos, sem mais nada, quase nú, por deus, com uma roupa velha e suja, à espera que me agarres. E se não o fizeres mesmo assim, quero que saibas que dali não saio sem ti, mesmo que ali fique, para sempre, toda a vida, na certeza de que não me vendi a outro alguém, na esperança de que tu voltes. Porque é o teu regresso que me importa, porque é esse bocadinho em te vejo que me faz ficar de lágrimas nos olhos mas contente cá por dentro. Porque é mesmo isto, é mesmo isto que eu penso, a mais bela das tristezas é a felicidade com lágrimas nos olhos."


'No Dia Em Que Fugimos Tu Não Estavas Em Casa', Fernando Alvim
Lorelai
Música: "I'll Be Waiting", Lenny Kravitz

Não gosto mesmo nada da sensação de não estar bem e ninguém sequer reparar, quanto mais preocupar-se. Não gosto da sensação de estar sozinha no meio de gente. Não gosto de quando deixo de apreciar a minha solidão, que sempre me foi tão querida. Não gosto de não gostar, não gosto de não estar zen, não gosto de não me sentir 'eu'. Não gosto de me sentir a fugir, nem eu sei bem do quê.

Mas não gosto.

Gostava de quando acreditava em Príncipes e Fadas, em sapatinhos de cristal e em histórias de Amor. Gostava de quando os dias de chuva não me traziam melancolia e tristeza, mas apenas aquela sensação quente de querer passar o dia embrulhada numa manta, sentada no sofá, a ver televisão e a comer chocolates - comê-los por mero gosto e não como compulsão melancólico-depressiva. Gostava de quando não inventava palavras e me limitava a ver as coisas de modo simples.

Gostava de deixar de acreditar que, um dia, vou voltar a acreditar nisso tudo e muito mais. Gostava que isso acontecesse, porque o pedaço de ilusão que não sai de dentro de mim começa a irritar.
Lorelai
Música: "Vieni Da Me", Le Vibrazioni


'Não tens vida, realmente.'

'Eu sei. Importas-te de não estar sempre a repetir o mesmo?'

'Repito e hei-de repetir as vezes que forem precisas.'

'Para quê?'

'Para saires e arranjar uma.'


...



Há um ano atrás, estes diálogos eram quase diários - ou, no mínimo, semanais. É um bocado triste quando paro a pensar nisso, mas é verdade inegável: eu não tenho vida. E isso é uma grande treta.

Os meus dias são passados a viver a vida dos outros - ou a viver através de algo. São as vidas dos meus amigos que eu vivo - ou, se preciso for, até a vida de pessoas que nem conheço propriamente. Não importa, o que interessa, no fundo, é sentir, ainda que seja sentimentos que pertencem a outrem, só para me assegurar de que ainda sou capaz de tal - de sentir.

E é fácil falar: 'arranja uma vida'. Posso dizê-lo 300 vezes à primeira pessoa que me passar na rua. E então? Disse-lhe por acaso onde é que ela pode ir arranjá-la? Já agora, onde é que se arranja uma vida? Há uma loja especializada, um número de telefone ou um website através dos quais possamos encomendar? É só dizerem-me, eu faço isso e arranjo uma vida. Mas não é assim tão fácil, pois não?

Só que expliquem-me, então, que raio é preciso fazer para ter uma vida. Porque eu até que gostava de ter uma - sei lá, bati com a cabeça e até achei que seria aprazível. Só mesmo naquela, assim à loucura, ter uma vida, ter um namorado, uma 'very busy social life', um emprego para juntar à única parte que tenho - a seca da Faculdade. Mas lá está: não basta estalar os dedos, pois não?

E não é que eu esteja naquele dramatismo melancólico e inútil tipicamente português: bolas, até estou disposta a agir! Simplesmente, no momento em que até decido agir, BAM!, explode-me tudo na cara. Isso já acontece com um estalar de dedos, o que acho bastante injusto - é jogo sujo. Uma pessoa esforça-se para ultrapassar traumas ou lá o que sejam, para afastar fantasmas persistentes do Passado, consegue finalmente libertar-se e sentir-se pronta outra vez para viver e aí... Dizem-te que não, pá, é má altura, escolheste o tipo errado para estares interessada, o pessoal à tua volta não está assim tão dinâmico como isso e acabas a sentir uma atracção enorme pelo jogo de cartas 'Solitário' - que, vendo bem, não poderia ter nome mais aplicado (com excepção, talvez, do outro nome, 'Paciência'... porque é preciso muita paciência para aturar a vida).

Às vezes farto-me de viver a vida dos outros. Mas depois, se não vivo a vida através dos outros, que é que me resta? A bom ver... nada. E isso ainda é mais triste. Portanto, entre os dois males... ao menos que vá vivendo através dos outros. Sempre dá para criar a ilusão de que não me esqueci do que é sentir.