Música: "Other Side Of The World", KT Tunstall
Ela olhou para ele, ao fundo da sala. Estava, como sempre, enfiado em si mesmo, distanciado de tudo, distanciado de todos. Tocava uma valsa, algures, aparentemente – talvez saída do piano –, mas para ela assemelhava-se a uma sinfonia de silêncios agudos. Palavras não ditas, actos não explicados, verdades escondidas, sentimentos disfarçados.
Não se aproximou, não foi ter com ele. Por muito que o quisesse. E se ela o queria… Temia-o mais do que qualquer outra pessoa, do que qualquer outra coisa. Contudo, também gostava mais dele do que de qualquer outra pessoa, do que de qualquer outra coisa. Mas era difícil. Demasiado difícil. Não podia ser para ela.
Doía-lhe vê-lo ver a vida passar-lhe ao lado algo velozmente, sem nunca ter reacção. Ela tentara mostrar-lhe algo mais, tentara chegar a ele, tentara dar-lhe um pouco de si, tentando receber um pouco dele. Não era para ela.
Manteve-se distante, vendo-o no outro lado do mundo, sem mexer um músculo, sem articular uma palavra, estranha a ela própria, ela apenas um reflexo dele, do que ele lhe ensinara, daquela arte do silêncio que só ele – e tão bem – manejava.
Ela aprendera a recusar-se, a anular-se. Pelo menos, em alguns aspectos, em algumas vertentes de si. Compensava-as de outro modo, de outra maneira. Não o podia impedir: fugia-se, apenas porque também ele lhe fugia. Ela não o conseguira jamais ter, nunca tal viria a acontecer. Era altura de esquecer, de deixar ir. De o deixar ir.
Sentiu-se sufocar, possivelmente devido ao calor, à intensidade das luzes que incidiam neles, naquela sala onde já haviam dançado, sempre distantes. Ela precisava sair, respirar livremente. Ela precisava de estar só.
Saiu para a noite gelada, arrepiando-se pela frieza que a envolvia. Não se pode impedir de fazer uma comparação entre aquele gelar e ele… e o que sentia por ele. Ela estava absolutamente desconfortável. Odiava frio, o vento fustigava-lhe desagradavelmente o rosto. Não via nada senão as estrelas no céu, a Lua Nova escondendo-se por entre ténues nuvens indecisas. Ali, naquele momento, ela era em tudo oposta àquela rapariga que sabia ser. Porém, sentiu-se mais ela do que alguma vez se sentira. Estranha, deslocada. O que ela era com ele. Apenas estranha e deslocada. Mas sentia-se mais «gente» do se sentira em toda a sua vida quando estava com ele.
Naquele momento de glacial lucidez, ela olhou para si e percebeu o que queria. Que o queria. Do mesmo modo, sabia que ele não o sabia. Sabia ainda que ele não a queria. Ou pensava saber. Não, era certo: ele não a queria. Alguma vez o ouvira dizer tal? Também era certo que não. Mas muita coisa pode ser dita sem palavras. E dessa maneira, ela dissera-lhe tudo. Possivelmente, ele não compreendera nada. Ter-lhe-ia dito alguma coisa? Isso já ela não sabia…
Olhou para o céu, pensando nele. Já muito ela conversara com a Lua sobre ele. Nunca nenhuma resposta surgira. E ela procurara incessantemente essa resposta. Talvez já a tivesse, talvez fosse mera especulação. Uma estrela cadente passou. Ela não formulou qualquer desejo, não racionalizou qualquer anseio. Porém, o seu íntimo não pode senão esperançosamente desejar que aquela ansiedade terminasse e o seu sonho um dia se viesse a concretizar. Um dia.