Desde que me lembro de ser gente que tenho cães à minha volta. Um pastor alemão, que me derrubava quando abanava a cauda de contente, era eu apenas uma bebé, ficando de seguida a olhar para mim com o ar de maior espanto e de mais completa incompreensão - porque está ela a chorar? Uma cadela rafeira, dog street, como dizíamos no gozo, o espécime canino mais inteligente que alguma vez vi; cheia de personalidade, óptima guarda, mais do que um cão, uma amiga. Viveu comigo desde que a fui buscar com poucas semanas à União Zoófila até à sua morte, ainda hoje e para sempre um dos dias mais tristes da minha vida. O seu companheiro de vida, que teve exactamente o mesmo percurso comigo, um perdigueiro francês do mais adorável de sempre, o que mais queria na vida era estar com pessoas, em especial connosco da casa - nunca, mas nunca, nem na sua velhice, deixou de nos receber com um entusiasmo inigualável. Actualmente, tenho um beagle, provavelmente o cão mais altivo que já tive, com autêntica atitude de gato, mas que, mesmo assim, se esmerou em secar-me as lágrimas na pior altura da minha vida.
Um cão é fiel, atencioso, despretensioso, meigo e companheiro como nem todos os humanos sabem ser. Um cão não guarda rancor, recebendo-nos sempre com uma alegria esfusiante mesmo que da última vez que nos viu se tenha passado algo de amargo. Um cão, um simples animal, consegue dar-nos um conforto e uma paz de alma praticamente inigualáveis, mesmo naqueles momentos que nos sentimos mais desprovidos de vontade e sentido. Um cão não é só um animal, é um amigo, um companheiro de vida - e assim deve sempre ser. Um cão, quando o tratamos como tal, torna-se família, cresce connosco e é sinónimo de tantos grandes momentos de uma vida inteira. E isto, para mim, é do melhor que a vida tem.
Pois bem, não me enganei. Passados alguns segundos, entrou o namorado dela. Não há realmente palavras que captem com todo o rigor a expressão de pessoas apaixonadas, mas parece quase inato saber estas coisas, pelo menos a quem já cá anda há alguns anos. Há uma espécie de aura (passe o espiritualismo), como se uma qualquer bolha colocasse aquelas duas pessoas no seu pequeno mundo à parte. E é tão fácil ver isso nos outros; difícil é reconhecê-lo quando nos acontece a nós.
Andar de metro tem destas coisas engraçadas - como andar na rua, aliás (se nos dignarmos a abrir um bocadinho os olhos para os outros, ao invés de nos massacrarmos na nossa própria mente). O mais cómico de ver - e que me fez sorrir, reconheço - foi a forma absurdamente pateta em como eles discutiam se seria ou não mais rápido ir a pé até S. Sebastião em vez de esperar que o metro se decidisse a partir. Ela argumentava que sim, que pelo tempo que estavam à espera já estariam no Saldanha; ele respondia calmamente que não, que ela que não fosse tola. Só que, por mais insistente que um ou outro fosse, acabavam sempre com um sorriso idiota na cara e um beijo partilhado. Acaba por ser bonito, como dizia a minha avó, ver cenas destas num mundo que está cada vez mais cínico. Dá esperança.
Quem me conhece - e, por vezes, até quem não me conhece lá grande coisa - sabe que um dos meus maiores vícios (e com muito orgulho) é o café. Mesmo naqueles dias mais melancólicos e diria até depressivos, basta o cheiro característico do café para me animar um bocado. Estranho, eu sei. Mas a verdade é que quando não me sinto "equilibrada" (seja por estar triste ou absolutamente eufórica), o meu primeiro desejo é «um café, por favor».
"Filha, compra pizza também, senão não temos nada em casa para o almoço". Há dias em que adoro mesmo, mesmo a minha mãe. Hoje é um desses dias.
( E quem não entender, é porque ainda não conhece os poderes curativos da dita «comida de plástico». Eu conheço e já tive a minha dose hoje. Recomenda-se. )
Talvez não seja a melhor opção; mas criar um mundo próprio na nossa mente e viver constantemente nele sempre nos poderá poupar alguns dissabores.
É como se fosse uma bolha que nos protege do exterior; não se trata necessariamente de ignorar o que se passa em redor, mas sim de encarar isso sob outra perspectiva. E sabe bastante bem.
«Amor platônico, na acepção vulgar, é toda a relação afetuosa em que se abstrai o elemento sexual, idealizada, por elementos de gêneros diferentes - como num caso de amizade pura, entre duas pessoas.
Esta definição, contudo, difere da concepção mesma do amor ideal de Platão, da qual surgiu a atual idéia grosseira, o filósofo grego da Antigüidade, que concebera o Amor como algo essencialmente puro e desprovido de paixões, ao passo em que estas são essencialmente cegas, materiais, efêmeras e falsas. O Amor, no ideal platônico, não se fundamenta num interesse (mesmo o sexual), mas na virtude.»
No sentido puro e original do termo, falar de paixões platónicas é um completo absurdo. Porém, é igualmente ilógica a utilização mais comum que as pessoas dão à filosofia do "amor platónico": um amor inalcançável, impossível, usualmente carregado de uma tremenda atracção física, sendo a generalização mais comum apenas correcta no que toca à idealização do sentimento.
Porquê essa incorrecção? Não faço ideia e pouco importa para o caso. Aquilo de que quero falar veio de uma conversa com a M. e a L. ontem à noite. A L. estava a falar de uma "paixão platónica" recente, ao que eu e a M. reagimos com uma gargalhada.
"Que tem?", perguntou a L.
"Paixão platónica é um bocado difícil, oh L.", respondeu a M. "Quanto muito, seria amor platónico".
Só que, surpresa, o que a L. queria dizer não se referia, de todo, a um sentimento de amizade pura, sem qualquer tensão sexual. Antes pelo contrário.
O que, em certa medida, lança a questão: existe ou não amor platónico? Seremos capazes de nos relacionar com o sexo oposto numa base de amizade pura, sem qualquer outro interesse - sexual ou não? Existe este amor idealizado? Teria Platão razão quando afirmava que o Amor se deveria basear na virtude e não nesses precisos interesses de naturezas diversas?
Do meu ponto de vista, Amizade e Amor são dimensões distintas, mas que, na minha opinião, não podem existir uma sem a outra. São necessariamente codependentes. Para mim, Amor sem Amizade não é amor, mas sim mera paixão; e a Amizade conflui inevitavelmente para um certo nível de Amor - somente não do mesmo género de Amor a que me refiro anteriormente.
Paixão existe sem Amor e Amor pode existir sem Paixão: mas não o género de amor que usualmente definimos por essa palavra na Língua Portuguesa (sem acordo ortográfico, já agora). Quando uma pessoa é realmente importante na nossa vida, claro que a iremos amar; mas não quer dizer que a amemos daquela determinada maneira. Pode, sim, ser o tal amor platónico. Puro, ideal, incondicional. Sem outros interesses anexados.
No entanto, o Amor, aquele Amor, nunca poderá conviver com o platónico. Como poderia? Talvez também possa ter o seu Q de pureza e até ser incondicional; mas ideal? Duvido. Não porque não acredite no Amor, não porque pense que as relações amorosas têm todas um prazo de validade - porque, apesar de tudo, não acredito. Mas, muito simplesmente, seria desafiar as Leis da Física. É pedir demasiado que tanto ocupe um mesmo espaço.
Amor - aquele Amor - implica uma partilha demasiado profunda, demasiado pessoal. Claro que há interesses, claro que há divergências, claro que se procura alcançar um ideal - e talvez até seja possível alcançá-lo, mas implica trabalho. Empenho. Esforço. Não se estala e ele aparece perfeito. Não é dotado, por natureza, do ideal.
Talvez não seja apenas inerente às relações amorosas, mas a todas as relações humanas; mas, quando estas se aproximam do Amor, existe necessariamente um esforço em busca do ideal. Mesmo na amizade. Se amamos, esforçamo-nos pelo ideal. Haja ou não interesses de outra natureza implicados.
[ You could claim that anything's real if the only basis for believing in it is that nobody's ever proved that it doesn't exist. ]
Por aquelas coisas que sempre conseguem fazer-nos sonhar.
( Como, por exemplo, o Josh Groban ter aquela voz magnífica e mesmo assim conseguir interpretar um dos totós mais adoráveis da História das séries televisivas. )
[ «Do you understand what I'm trying to tell you, Malcolm?»
«I think. You still believe in love.» ]
Certas coisas tocam-nos bem fundo nos nervos. Pessoas há a quem é a mal-educação, o cinismo, a ingratidão. Nos últimos tempos, a mim, tem-me incomodado particularmente a falta de coragem e de carácter de quem tinha em grande conta (não de toda a gente que tenho em grande conta, mal fosse. Mas de gente, vá).
Nem todos os momentos são fáceis. Quantas vezes nos surgem empecilhos que nos dão cabo da vida? Se formos a ver, a grande maioria desses obstáculos deve-se à existência de outras pessoas na nossa vida. Porque não estamos sós. E ainda que não considere que todos sejamos responsáveis pelos sentimentos de cada um, há um mínimo de decência que eu considero imprescindível naqueles que classifico genericamente de "boas pessoas" (infantil, eu sei).
Nem todos pensam ou sentem da mesma maneira. Por vezes, os sonhos e desejos de outras pessoas colidem connosco. Pensam o que não pensamos. Querem o que não queremos. Sentem o que não sentimos.
Para mim - opinião muito pessoal - a maneira como lidamos (ou não) com isso pode ser aquilo que nos distingue. Ou que nos torna igual a todos os outros.
Não: era isso que eu devia aprender a dizer.
Não. Uma palavra só, uma palavra simples, uma palavra sucinta, uma palavra directa. Uma palavra completa.
Não. Com mil e um motivos, com toda a razão.
Não. Não a mim, mas não aos outros.
Não. Nunca o digo a outrem, contudo digo-o constantemente a mim própria. Nego-me quanto me apetece.
Não. Não me apetece escarafunchar a ferida, deitar-lhe sal e induzir a dor.
Não. Começo a dizer não. Não a mim, mas aos outros.
Não. Há uma primeira vez para tudo…
Há sempre alguém a quem dizemos não.
Não.
“well, too much silence can be misleading…”
Londres. Um dia, Londres. Indubitavelmente. Um dia, hei-de viver em Londres ou pelo menos algures no Reino Unido.
Eles têm uma das cidades mais fabulosas do Mundo. Têm os campos mais fantásticos que se pode imaginar. Têm História, mas não se perderam no tempo. Têm classe e good manners, se sempre mantidas ou não, pouco importa - tal como não importa se a etiqueta britânica é demasiado austera. Eles conseguem manter um fio de História e de sentido de clássico ainda que procurem modernidade.
"There's nothing that can't be done if we raise our voice as one". (MJ)
..
A harmonia completa da voz, a incomparável dança. Independentemente de tudo o resto que procurem apontar-lhe, Michael Jackson é uma lenda, um ícone e irrefutavelmente um dos maiores artistas de todos os tempos. E, quem sabe, o maior..
Está na altura de começar a mentalizar-me: acabei a licenciatura. Até escrever isto soa estranho e - não nego - chega a custar-me um bocadinho. Só um bocadinho...
...
Digam-me se não é isto que qualquer pessoa sã discute na véspera da última frequência na Universidade.
A vida não são só erros e desilusões. Só que quando alguém apanha desilusão atrás de desilusão e comete erros em catapulta (mesmo quando acreditava piamente não o estar a fazer), é complicado manter essa noção inicial. E aí corre o risco de embrenhar-se numa lógica mecânica de (tentativa de) auto-preservação, que um dia não será mais do que uma rotina inútil e asfixiante. Porque o ser humano, afinal, é uma criatura de hábitos – e quando nos embrenhamos demasiado neles, escapar-lhes torna-se virtualmente impossível.
Essa tendência algo passivo-maníaca chega a tomar tanto conta da vida de alguém que, mesmo quando algo de bom acontece, os efémeros picos de confiança se esvaem tão depressa quanto surgiram, não restando nada mais senão os decrépitos processos mecânicos de busca de auto-preservação. Clínico. Simples. Rotineiro. Seguro. Painless.
Trust. Either you got it, or you don’t.